O Ensino do Cavalo de Obstáculos (Contd.)
JAMAICA a galope2 – COMO SE FAZ HOJE EM DIA“Hoje em dia”, se por um lado, as condições em que os cavalos chegam às mãos dos cavaleiros são completamente diferentes das do “meu tempo”, por outro as condições em que os cavaleiros têm que trabalhar também o são. Daí que tenham que ter sido modificados os métodos e os processos a utilizar.E quais foram as modificações?Por parte dos cavalos assistiu-se a uma transformação muitíssimo grande da sua qualidade, mercê de um aperfeiçoamento enorme da criação cavalar, tanto do ponto de vista físico como do ponto de vista psíquico. Cavalo que não seja equilibrado, elástico, poderoso, com “boa cabeça” e aptidão natural para saltar, não vale nada: só serve para o talho… ou para enganar algum incauto!Os traçados dos percursos também evoluíram bastante. Hoje aparecem muitas interdependências e necessidades de voltas apertadas, que obrigam a montar com muita precisão. Mas isto é facilitado pelas qualidades que os cavalos apresentam.O “economicismo” da era actual também chegou ás provas equestres, como seria de esperar, o que conduziu a que só seja possível “andar” no mais alto nível quem for profissional… ou rico! Porque, não tenhamos dúvidas: só consegue chegar ao alto nível quem se dedicar aos cavalos em tempo inteiro. De resto sempre foi assim. Eu estive 16 anos em Mafra, durante os quais só pensava em cavalos: montando ou dando instrução equestre. Já lá vai o tempo de Alvim Schockemohe (campeão olímpico em Montreal) que dizia nunca ter montado um cavalo antes de o escolher, pois bastava-lhe verificar se o cavalo tinha “qualidade” ou não: caso negativo nem lhe pegava; caso afirmativo começava a trabalhar e podia demorar um ano, dois ou três que isso não era problema para ele. Mas o Alvim era um cavaleiro que, além do tempo, tinha uma preparação excepcional, pois tinha aprendido com os velhos mestres alemães de antes da segunda guerra mundial. Portanto não lhe faltavam nem tempo, nem ciência, nem uma excepcional aptidão equestre para “pôr” os seus cavalos através dos métodos clássicos de ensino.Quero com isto dizer que, hoje, os cavaleiros só podem dedicar-se a tempo inteiro se forem profissionais. O que leva a deduzir que, para isso, têm que se dedicar ao comércio de cavalos e ao ensino da equitação além de encontrarem patrocinadores (o que só é possível acontecer se forem bons cavaleiros e tirarem bons resultados, mas esta condição não é de hoje: sempre aconteceu). E o comércio exige que os cavalos a trabalhar sejam muito fáceis para que não tenham que perder muito tempo a ensiná-los.Com estes considerandos estou a analisar como nasceram a “necessidade” e a “possibilidade” de se implementarem processos novos para o ensino do cavalo de obstáculos: “necessidade”, pela escassez de tempo e “possibilidade” pela qualidade dos cavalos de hoje em dia.E a esta palavra “ensino” estou a querer dar dois significados: o ensino necessário para a condução do cavalo durante a execução do percurso e na “aproximação”, e o ensino do cavalo sobre o salto, de modo a conseguir que ele adquira a técnica e o “à vontade” necessários para lhe tornar o salto fácil e para o pôr no meio da trajectória, de modo a não lhe tocar.Vamos tratar de cada um destes significados.“Ensino” necessário para condução do cavalo entre os saltos.Uma das definições de “equitação” de que eu mais gosto, como disse no princípio, é a de que “equitação é equilíbrio”, problema com o qual não devemos ter grandes dificuldades na medida em que esta é uma das características com que o cavalo já vem “artilhado” desde a barriga da égua. Por isso, com base no trabalho sobre o círculo, não vai ser difícil conseguir “pôr” o cavalo. A impulsão também não deve ser problema dado que os cavalos bons já são muito perto do sangue, pelo que a impulsão natural deve ser suficiente. A calma não vai dar dores de cabeça, pois a do cavalo tem obrigação de estar no seu lugar. Por isso com base nos alargamentos para pôr o cavalo a obedecer às pernas, no trabalho em círculo para o pôr sobre a mão e o ensinar a obedecer a uma rédea de cada vez, o que nos conduz à obediência das duas mãos que, por sua vez, conduz aos encurtamentos, eis o caminho que nos leva a ter o cavalo com o ensino necessário e suficiente, sem ter que recorrer, por exemplo, ao trabalho em duas pistas, antigamente indispensável para melhorar o ensino do cavalo com falta de equilíbrio.E assim, dito em duas linhas (é sempre mais fácil dizer do que fazer), temos o nosso cavalo a progredir sem grandes problemas.SKIPPY em espádua a dentro
“Ensino” necessário para ensinar a boa técnica do salto.Já o Brig. Callado, há muitos anos, me dizia que o que era preciso era pôr o cavalo a saltar os saltos pequenos como havia de, mais tarde, saltar os grandes. E é esta a técnica que se usa hoje em dia. Como? Utilizando compostos (ou composições), começando por saltos pequenos, a distâncias que, por serem difíceis, ou seja, pouco de acordo com o tamanho da sua passada, obriguem o cavalo a fazer um certo esforço para os passar. Assim, para cavalos de passada pequena que tenham dificuldade em “seguir para diante” na “aproximação”, vamos utilizar distâncias grandes; para cavalos que “seguem” muito bem, vou utilizar distancias apertadas que os obriguem a “reter-se” e a levantar-se e servirem-se do pescoço e rim na fase de “elevação”. Pois se o não fizerem, tanto num caso como no outro aparece o “toque” que penaliza automaticamente o defeito. É o efeito do “pinchar”, tão do desagrado da F.E.I. mas tão usado por todos os cavaleiros, como base do ensino. E que eu não condeno porque os toques dele resultantes são, de uma maneira geral, muito pouco violentos, pelo que não originam taras nos cavalos.E é esta a base que encontramos nos livros dos melhores mestres de hoje, que têm o cuidado de, nos esquemas e distâncias que apresentam, não se referirem a uma distância única mas a um intervalo a utilizar conforme os condicionamentos que indiquei acima. Mas há uma coisa que me choca quando vou assistir às lições destes mestres: é que utilizam sempre as “suas” distâncias, e não as modificam conforme as características dos cavalos dos vários alunos. Realmente esta prática seria muito dispendiosa em “mão-de-obra” pois obrigaria a mudar distâncias de cavalo para cavalo. Mas, no mínimo, poderia ver-se agrupar os cavalos por características semelhantes. Coisa que não se vê que seja prática corrente.Acabei agora de ler um livro de um excelente cavaleiro francês (que não nomeio para não ser acusado de fazer propaganda), que explica tudo muito bem, com imensos gráficos e muitos exemplos de distâncias entre os saltos, das passadas a ser metidas entre eles com entradas a trote ou a galope. Mas no fim não resiste a dar um exemplo de uma prova de ensino que o cavalo de obstáculos deve executar, quando bem posto, e na qual mete espádua a dentro, ladear, passagens de mão, galope concentrado e invertido e recuar, o que vem mostrar que, apesar de o seu livro se apoiar, principalmente, em conceitos psicológicos do cavaleiro, deduzindo daí a sua importância no ensino do cavalo, através da passagem de pequenos obstáculos em condições difíceis, não dispensa o ensino clássico.De resto, é ele próprio que o declara na introdução: “Naquilo que você vai ler não encontrará nenhuma grande demonstração científica ou uma grande teoria. Outros foram excelentes nesse campo antes de mim. Eu não quero refazer o enésimo livro sobre a rédea contrária, o galope invertido ou os ladeares … Em contrapartida direi muito sobre o controlo mental ou a condição física do cavaleiro e do cavalo: atitudes, comportamentos, maneiras de fazer, de abordar os problemas, de os analisar, de compreender e de pensar”.Portanto o autor confessa que o facto de não abordar a técnica não quer dizer que não a ache imprescindível. Nada de confusões…A terminar este trabalho poderia indicar algumas das distâncias que se usam hoje em dia. Mas, porque nunca trabalhei com este método, sei que não sou especialista nesta matéria, e teria que ir “copiar” a um qualquer livro dos muitos que por aí andam, escritos por cavaleiros abalizados para o fazerem. Mas isso não está nos meus hábitos, pois sempre, e só, escrevi o que sei, isto é o que sinto, mesmo que aprendido de outrem, pois não tenho a pretensão de ter descoberto tudo o que escrevo. Mas aquilo que escrevo é o que sou capaz de sentir, mesmo que aprendido de outros. Dito tudo isto, em minha opinião, os instrutores de hoje em dia preocupam-se demasiado com a o objectivo de não derrubar os saltos e pouco com o ensino do cavalo o que, tendo muita influência no melhoramento do estilo, tem também muita importância para o alcance da vitória.QUE FALTA NOS FAZEM AS PROVAS HUNTER, DOS AMERICANOS, INCLUÍDAS, OBRIGATORIAMENTE, NA INSTRUÇÃO DOS NOSSOS JOVENS CAVALEIROS!3 – CONCLUSÃODevido à grande melhoria da criação cavalar, hoje é menos necessário o aperfeiçoamento do ensino académico do cavalo de obstáculos. Li há pouco tempo uma entrevista com um dos irmãos Whitaker (não me lembro qual deles) que, a uma pergunta directa do entrevistador, declarou que o ensino académico do cavalo não era coisa que muito o preocupasse, o que vem provar aquilo que afirmo pelo que tiro a conclusão de que hoje não são tão necessários os equitadores, pois que é suficiente ser um bom piloto.Embora julgue que ser um bom equitador, é sempre uma mais valia que não é de desprezar. «Anterior/ Seguinte»