Entrevista com Johnny Mendes (56)
Entrevistamos Johnny Mendes depois da sua recente vitória no Circuito do Cnema, Santarém.EQ – Qual o significado desta vitória?JM – Financeiramente foi uma vitória importante, pois o prémio representava 5 ou 6 G.P.’s Nacionais.Desportivamente teve pouco significado. Tendo sido disputada a 1,35m não constituiu um desafio para cavalos que andaram a fazer G.P.’s internacionais na época passada.As dificuldades que se fizeram sentir foram mais uma consequência da falta de elasticidade do piso o que originou erros de cálculo de esforço por parte dos cavalos do que os percursos propriamente.Gostaria de usar esta oportunidade para fazer uma pequena crítica ao piso, sem com isto pretender tirar todo o mérito que esta C.O. teve neste evento. É de facto um piso feito com materiais muito superiores ao normalmente usados. Os cavalos sentem-se muito seguros nele, mas a partir de 1,20m notou-se realmente que era morto, não tinha elasticidade. Penso que isso se deve ao facto de ter sido colocado directamente sobre o chão de cimento. Penso igualmente que se fosse utilizado um tapete grosso de borracha ou 10 a 15cm de saibro compactado, teríamos nessa altura piso para saltar provas grandes.
EQ – Concorda com o formato deste circuito?JM – Pessoalmente não gosto deste formato porque obriga a participar-se em muitas provas, decorre ao longo dum período de tempo muito longo e consequentemente torna-se juntamente com os custos das inscrições, boxe etc. um concurso dispendioso e desgastante. Apesar da recompensa valer a pena, tudo poderá ser em vão se o cavalo ficar impossibilitado de participar na final.Já o concurso da Quinta da Marinha agrada um pouco mais, mas também não satisfaz plenamente.Para mim é preferível o formato usado no Critério dos Cavalos de 6 anos na época passada, onde cada qualificativa era paga separadamente e havia prémios para a classificação geral também. Aliás é assim que se procede em qualquer campeonato nacional excepto no nosso.EQ – Temos ouvido falar das Clínicas de Gilles de Balanda e outros. Qual a sua opinião?JM – Na minha opinião, as clínicas são em relação às nossas necessidades uma perca de tempo e dinheiro. Por um lado sabemos quais são os resultados das clínicas no passado. A Portugal já vieram pelo menos dois expoentes da equitação mundial, nomeadamente Nelson Pessoa e Bertalan de Nemethy. Os comentários pós-operação são sempre os mesmos, tal como agora: experiências positivas, tudo é fantástico. Mesmo assim pergunto : onde é que estão os cavaleiros que praticam os métodos preconizados por estes mestres? A resposta é: não existem. Apesar de ambos terem editado livros e cassetes.As clínicas são boas para certos cavaleiros e em situações pontuais. Requer que o aluno possa dizer: o problema é este. O que é que eu faço? Requer também que o aluno saiba aprender. Para mim é mais importante saber-se aprender do que saber-se ensinar. E em Portugal há poucos que o saibam fazer. Se assim não fosse, o nível geral estaria a melhorar, notar-se-ia algum progresso pelos menos em muitos participantes. Mas infelizmente, salvo alguns, é sempre o caso de – vira o disco, e toca o mesmo.Este fenómeno, é para mim crucial. Eu creio estar relacionado com o facto de em Portugal 80% dos cavaleiros estarem residentes em quatro grandes centros equestres: Campo Grande, Marinha – Sport Club do Porto e C.H. de Matosinhos. Se considerarmos que ainda existem outros centros mais pequenos, teremos de concluir que são poucos e raros aqueles que tem o seu "quartel" separado.Para se aprender é necessário estar-se (não necessário todo o tempo) sózinho para se ter que pensar por si, desenvolver a imaginação, tácticas, analisar problemas, desenvolver autoconfiança e determinação. Fazer por nós próprios. E se esse – nós próprios a fazer – for conduzido como deve ser por um técnico competente, vamos observar uma subida no nível de equitação. Mas em Portugal é o contrário. Por vezes tenta-se montar num picadeiro onde existem mais professores que alunos, uma confusão generalizada e barulhenta, em que todos saltam os mesmos exercícios porque é a única coisa que podem fazer. É a estagnação completa. Sofrem todos das mesmas modas e doenças.As clínicas para mim quanto muito podiam ajudar um número reduzido de participantes. Não uma nação. E para mim isso é que importante: Melhorar o nível geral. Quando há muitos a fazer bem, os ‘cracks’ aparecerão. Eu creio que a nossa Federação está no caminho errado e estão a demonstrar extrema ignorância neste assunto.Qualquer pessoa que saiba um mínimo, ao observar os nossos cavaleiros em acção facilmente se apercebe que as faltas cometidas são causadas por erros básicos.Erros originados por má colocação em sela, incorrecta acção da mão, voltas mal executadas, stress, falta de autoconfiança etc. etc.Ora eu pergunto, para se ensinar o básico é realmente necessário trazer a Portugal técnicos estrangeiros? E em 3 ou 4 dias esse mágico vai conseguir isso? E quando o mágico não pode vir, envia o aprendiz de mágico. Também dá?Para mim um técnico do ‘Top’ só numa situação: é ter uma equipa formada, a actuar já com bastante nível e ter-se um objectivo específico, tal como nos J.O. ou Campeonatos da Europa. Nessa altura o técnico fica residente em Portugal um período de tempo, para conhecer a fundo as características de cada um, limar arestas, melhorar aspectos específicos, melhorar a forma física dos cavalos, planear concursos de preparação para a prova final, consolidar e melhorar a preparação mental etc. Isso sim.Mas finda a operação, o nível do hipismo nacional, só vai beneficiar sobre o aspecto se os cavaleiros que tomaram parte se tornarem melhores cavaleiros, os restantes teriam agora uma bitola mais alta para se referenciarem. De resto, nada.Na minha óptica o que o Hipismo Nacional precisa é:aumentar o número de participantes.seja criado um sistema de equitação.Esse sistema terá que estar bem explicito num livro, tipo um guia prático dividido por fases i.e. Lição 1, 2 etc. mais ou menos como o livro do Cor.Jousseaume para que o aluno possa progredir seguramente. Se juntarmos a isto professores que falem a mesma língua, estaremos no caminho certo.Todos o participantes terão acesso a este sistema. Note-se que eu digo sistema e não método.Em Novembro de 1998, na revista Breeding News for Sport Horses, o Sr. Hartwig deu uma entrevista com o seguinte título. Hartwig: "System not Method". Hartwig que trabalha para a Federação Equestre Alemã diz a certa altura em relação à razão pela qual a Alemanha tem dominado o circuito Internacional.A razão do nosso sucesso é que nós temos um sistema e não um método. E continua : Todos nós conhecemos Monty Roberts. O americano que desenvolveu um método de treinar cavalos e desbastá-los. Ele tem muito sucesso com esse método. Mas só ele!!! O nosso sistema é para todos. Qualquer cavaleiro o consegue aprender e ensinar a outros e estes provavelmente tornar-se-ão melhores que os professores.Outra declaração que faz é: "nós visualizamos o nosso hipismo como uma pirâmide – o vértice é o ‘crack’, o melhor; a base são os mais fracos". Isto vai de encontro com o meu comentário. Precisamos de números e os nossos ‘cracks’ aparecerão. Aliás já apareceram.Não muitos porque o nosso número total também era pequeno. Mas aparecem e com altíssima qualidade. E ainda os há cá entre nós. O que é necessário é criarem-se condições para o talento que há se poder exprimir. Criar uma mentalidade positiva e acabar com este ambiente doentio em que sobrevivemos. Dar oportunidades aqueles que as merecem. Desenvolver o respeito e confiança em nós próprios. Mas como sempre o exemplo tem que vir de cima.Ainda o Sr. Hartwig: outra razão do nosso sucesso é que temos muitos cavalos. Depois da 2ª Guerra Mundial houve um período que ficamos quase sem cavalos. Com receio que estes se extinguissem, começamos uma campanha para os proteger e criar.Ora bem, voltando à minha linha de pensamento.Para se ensinar o básico, não é necessário irem-se buscar técnicos estrangeiros. Quando se observam muitos cavaleiros Top, há certas e determinadas coisas que são idênticas em todos. Essas são as básicas. A colocação em sela, a mão e a sua acção, o ajustar a batida, acção da perna etc. tudo é básico. Só tem uma maneira de se fazer. Quando os cavaleiros têm os básicos nessa altura podem derivar e desenvolver o seu método pessoal, ou montar à ‘Voorn’ se quiserem. Mas antes disso, tentar copiar os génios só pode levar ao desastre.Acho que um país como o nosso onde tivemos uma Escola de Mafra, que formara cavaleiros homogéneos e com bases seguras é uma vergonha que se tenha que recorrer aos de fora para se ensinar o básico, especialmente quando alguns desses nossos cavaleiros ainda estão activos – não por muito mais tempo, infelizmente.Ora bem, concluindo: o que necessitamos é:Aumentar o número de participantesIncutir a criação cavalarPublicar um livro – tal como os alemães – onde se explica um sistema de equitação.Quanto a clínicas, não creio que seja a resposta.EQ – Com as eleições a aproximarem-se, gostaria de ver uma nova Federação?JM – Não. Eu acho que é necessário tempo para um ‘grupo’ de marinheiros agarrar o barco desorganizado e à deriva e voltar a coloca-lo na rota segura. Especialmente quando o capitão não sabe como funciona o leme!Das Federações que tenho conhecido, esta tem os membros com o perfil mais apropriado. Aliás o Presidente já deu mostras disso.O que eu acho necessário é que saiam do seu pedestal oiçam o que há para se dizer antes de tomarem decisões em vez de toma-las e depois ouvirem só para fingir que ouvem.Copiar uma Holanda não chega. Embora tenham implantado algumas regulamentações boas como por exemplo, graduar os cavalos e cavaleiros à participação fora de prémio (infelizmente não tiveram a convicção para não cederem) não chega. É necessário compreender os conceitos que regem o sucesso de outros países. E é principalmente importante pensarmos por nós.Isto de se eleger uma Federação e quando não é aquilo que nós queremos eleger, arranja-se outra e assim por diante, não é maneira de lá chegarmos.EQ – O que pensa do Ranking da FEP face à alteração do Ranking Mundial?JM – Eu creio que o nosso ranking ainda funciona do modo incompreensível em que funcionava o Ranking BCM até ao princípio deste ano. Seria óptimo se as mudanças que este sofreu chegassem a Portugal e se fosse um passo mais além até, pois o ranking tal como é unicamente quantifica os resultados dos cavaleiros. Gostaria de ver outro ranking em paralelo que seja orientado por percentagens de 1ºs. Prémios e classificasse em relação a participações para dar forma à qualidade.